terça-feira, 31 de agosto de 2010

Propostas de mudanças ameaçam o mercado editorial local e abrem um perigoso precedente

Direitos autorais: International Publishing Association volta os olhos para o Brasil
PublishNews - 31/08/2010 - Jens Bammel, especial para o PublishNews

Mudanças nas leis de direitos autorais são normalmente uma coisa boa: governos implementam os mais recentes tratados internacionais, como o Tratado Internacional da WIPO (World Intellectual Property Organization), ou atualizam suas leis para abranger novas tecnologias ou tentam resolver problemas práticos à medida que eles surgem.

Quando (no dia em que a Copa do Mundo começou) o Ministro da Cultura do Brasil propôs mudanças na lei de direitos autorais, a intenção pareceu outra: o acordo sobre a Internet da WIPO foi quase totalmente ignorado, mudanças tecnológicas foram apenas parcialmente tratadas e os editores não foram consultados sobre preocupações existentes ou problemas com a velha lei de direitos autorais.
Em vez disso, a lei brasileira tomou uma linha definitivamente mais ideológica: amplas exceções aos direitos autorais, inclusão sorrateira de novas práticas para uso livre, uma organização dos direitos autorais extremamente enfraquecida e restrita e uma agressiva licença compulsória são evidências da imagem negativa que o governo tem dos autores, editores e do conceito de propriedade intelectual.
A impressão é de que o governo vê os consumidores e os proprietários de direitos em luta e quer ficar do lado dos consumidores. Apesar de alguns ativistas da internet também verem o mundo dessa forma, a realidade é muito mais complexa e muito mais positiva:

O ambiente digital precisa de direitos autorais rígidos. Determinados serviços que são gratuitos para usuários contam com patrocínio de terceiros e, portanto, precisam de forte proteção de direitos autorais contra o uso não autorizado seja para o uso comercial ou não. Por exemplo, todos nós podemos ter acesso ao Google Maps, a menos que comecemos a re-usar esses mapas de uma maneira que Google não autorize.

Exceções nos direitos autorais, em particular naqueles casos em que não há espaço para compensação para os detentores dos direitos, ou negociação entre detentores e consumidores, são instrumentos grosseiros e inflexíveis que não resolvem sozinhos os problemas de acesso. A grande colaboração no Brasil entre organizações que representam deficientes visuais e editores está em fornecer esse tipo de acesso, o que uma exceção mal redigida nunca fornecerá às pessoas com deficiência, e nunca poderá fornecer, porque tem muito mais coisa envolvida em acessar do que apenas o direito de copiar.

Consumidores querem conteúdos baratos, mas eles também querem qualidade, querem diversidade e querem conteúdo adaptado às suas necessidades. A internet está cheia de conteúdo gratuito para escolas, mas não é feito para e nem é adaptado para as necessidades brasileiras. O papel dos editores de livros educacionais em fornecer conteúdo educacional mais profundo, divertido, inovador e, principalmente, eficaz, é, muitas vezes, mal compreendido. Nessa área o trabalho do editor é muito valioso para sociedade, requer grandes habilidades e conhecimento, e pode fazer uma grande diferença, particularmente onde os professores têm baixa qualificação. Um bom livro escolar permite que um professor comum atinja grandes resultados. Embora escolas precisem fazer algumas cópias, a nova lei permite a indiscriminada substituição de livros adquiridos das editoras por fotocópias, sem nenhuma compensação pelos direitos autorais e nenhum mecanismo para uma negociação justa entre escolas e os detentores dos direitos autorais.

O último exemplo mostra que os autores da proposta fariam bem em conversar e, ainda mais importante: em ouvir, os editores brasileiros. Nessa conversa eles aprenderiam sobre modelo de negócios, os investimentos necessários para bons livros didáticos, o valor da competição nesse importante setor e como editoras, de diversas maneiras, contribuem para a qualidade da educação. Por exemplo: quem poderia pensar que são os representantes das editoras que têm o papel mais importante em ensinar os professores sobre mudanças nos currículos e em ajudá-los a alcançar os objetivos educacionais?

Finalmente, há o interesse público em termos uma próspera cultura de livros. Pesquisa internacional mostra que em lares com 25 livros ou mais, crianças em idade escolar frequentam a escola dois anos mais do que as de casas sem livros. Livros bons e divertidos são fatores importantes na alfabetização, e leitores literários têm mostrado que são cidadãos mais ativos política, social e economicamente. A economia de conhecimento precisa de leitores e, portanto, de uma cultura do livro viva.

Qualquer Ministério de Cultura de qualquer lugar do mundo sabe e entende que cultura não é luxo. Diversidade bibliotecária, assim como ar puro e água, são bens públicos e o governo deve ajudar na manutenção deles - não no interesse dos editores mas no interesse dos consumidores. A International Publishers Association (IPA) e seus membros esperam que a proposta atual possa ser melhorada, com um diálogo com os titulares dos direitos autorais.

Jens Bammel é secretário-geral da International Publishing Association.

domingo, 8 de agosto de 2010

O balanço oficial da Flip 2010

Lívia Brandão, de Paraty para O Globo

Com um orçamento maior que o do ano passado, a Flip 2010 atraiu menos público. Em coletiva de imprensa realizada no começo da tarde deste domingo, a produção do evento estimou que entre 15 mil e 20 mil pessoas participaram da festa literária, número que chegou a 25 mil no ano anterior. Segundo Mauro Munhoz, diretor geral da Flip, o adiamento para agosto em função da Copa do Mundo e a comemoração do Dia dos Pais, neste domingo, teriam afastado possíveis visitantes. A previsão é de que em 2011 a Flip volte a ser realizada no começo de julho ou mesmo no fim de junho - sobre convidados almejados e o possível homenageado da próxima edição nada foi dito.


A festa, que começou na última quarta-feira e se encerra hoje, mobilizou oficialmente 147 autores, 21 deles estrangeiros e captou um total de R$ 6,3 milhões, R$ 1,3 deles provenientes do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em 2009, a Flip dispôs de R$ 5,9 milhões.

- A programação superou expectativas, desde o começo sabíamos que Gilberto Freyre era um homenageado polêmico e isso suscitou discussões de alto nível - avalia Flávio Moura, diretor de programação da Flip, que considerou "antológica" a participação do poeta Ferreira Gullar, convocado de última hora para substituir o escritor italiano Antônio Tabucchi.

Moura também exaltou a ilustre presença de Robert Crumb, um dos nomes mais aguardados, que dividiu opiniões.

- A presença do Crumb em Paraty foi além do que foi dito na mesa da qual ele participou. Foi muito importante tê-lo passeando pelas ruas da cidade.

Sobre a desistência de Lou Reed em participar da Flip, Moura desdenhou.

- Diante de todos os acontecimentos e discussões das mesas, a ausência do Lou Reed não foi sentida.

Para a editora inglesa Liz Calder, presidente da Flip, cada vez mais a festa ajuda a literatura brasileira a ganhar reconhecimento no exterior.

- Colum McCann e Lionel Shriver elogiaram muito a festa, a cidade. Ian McEwan só fala disso há sete anos. O resultado é muito positivo.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O incerto caminho até a publicação

Raquel Cozer - O Estado de S. Paulo


Anos atrás, o editor Paulo Roberto Pires presenciou uma inflamada discussão acerca do excesso de autores estreantes que as grandes editoras andariam colocando no mercado. Ele sabia que, a qualquer momento, um dos críticos poderia apontá-lo entre os culpados pelo que seria "falta de parcimônia" editorial. Como jornalista cultural, depois um dos organizadores da primeira Flip (2003) e, por fim, editor em duas das maiores casas publicadoras do País, a Planeta e a Ediouro, ele apresentou a um público mais abrangente alguns dos principais nomes da Geração 00, como João Paulo Cuenca, Joca Reiners Terron e Santiago Nazarian.
Pires não considera isso negativo. "Se um escritor é bom ou ruim, o tempo é quem diz. Era preciso sacudir o mercado naquele momento em que era enorme a diferença entre o que se editava e o que se via de interessante na internet." O fato é que atitudes como a dele ajudaram a estimular a aceitação a novos autores. "A internet alterou o perfil do lançamento de um estreante", avalia Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco. "Está mais fácil ser autor agora do que quando quem badalava sua obra era visto com desconfiança, como se não tivesse a pátina correta de eruditismo. Hoje, ninguém vai criticar quem quer estar onde os leitores estão. As feiras literárias estão aí para provar."


A exposição só não alterou o fato de que a publicação por uma grande editora marca, em geral, o momento em que tudo muda na trajetória de quem quer viver de literatura - ou se tornar uma pessoa jurídica, como diz Cristovão Tezza, que pôde parar de dar aulas e viver apenas em razão de seus livros desde que O Filho Eterno, publicado pela Record, abocanhou quase todos os prêmios literários de 2008. "É importante a recepção que o livro tem quando vem de uma grande. As pessoas olham diferente para um livro da Companhia das Letras, por exemplo", diz Antonio Prata, que ingressou nesse olimpo literário em 2003, com As Pernas da Tia Coralina, publicado pela Objetiva.

O Sabático resolveu saber dos próprios autores qual o impacto de uma grande editora em sua carreira, como foi o caminho até ela e como se sentem a respeito numa época em que, cada vez mais, surgem boas casas de pequeno ou médio porte no País - como a 34, a Iluminuras e a Ateliê Editorial, só para ficar em três exemplos. Numa espécie de pesquisa informal, enviamos pequenos questionários a quase 70 escritores de todas as idades, dos quais 60 aceitaram participar. As questões foram feitas em cima do primeiro título lançado com distribuição nacional e grande alcance de divulgação. E que, na maior parte dos casos, não foi o primeiro que tiveram editado - Lya Luft, por exemplo, escreveu o primeiro livro 13 anos antes de chegar à Record, onde virou best-seller com As Parceiras, em 1980; Ana Miranda escreveu dois de poesias por editoras pequenas e ficou 10 anos retrabalhando o mesmo romance até enviar os originais de Boca do Inferno para a Companhia das Letras - foram mais de 200 mil exemplares desde 1989.

É claro, o caminho é bem mais rápido para quem não se dedica a outros trabalhos antes, como Lya, ou não se debruça tanto tempo sobre a mesma obra, como Ana. As duas, que estrearam em grande editora com 40 e 37 anos, respectivamente, estão acima da média de idade que os participantes da enquete tinham quando chegaram lá, 34 anos. Quase um quarto dos escritores (23%) conseguiu fechar um contrato no mesmo ano em que terminou de escrever o primeiro livro - apostas em iniciantes, como no caso dos autores editados por Paulo Pires, ajudam a engrossar esse número; prêmios literários e publicações anteriores de contos em periódicos e antologias também.

Mas um número parecido (20%) esperou mais de uma década desde as primeiras tentativas literárias até receber um convite de uma grande editora. Caso de gente como Affonso Romano de Sant'Anna (que esperou 22 anos até, aos 38, ter Poesia sobre Poesia publicado pela Imago), Cristovão Tezza (17 anos tendo obras recusadas até Traposair pela Brasiliense) e Marcelo Mirisola (15 anos escrevendo livros até ser convidado pela Record a lançar Joana a Contragosto).

Mas Mirisola, assim como Marcelino Freire e outros escritores, já era conhecido quando teve o romance editado pela maior editora do País. O reconhecimento chegou com Fátima Fez os Pés para Mostrar na Choperia, que a Estação Editorial, uma editora de médio porte, publicou em 1998. "No meu caso, não mudou nada", diz o paulistano sobre o título que saiu pela Record. Tanto que, depois disso, voltou para uma editora média, a 34, e em breve terá um infantil (a quatro mãos com Furio Lonza) pela Barcarolla.

Indicações

Só quatro dos 60 autores (Mirisola, Ana Miranda, João Almino e Tiago Melo Andrade) disseram que recomendações feitas por outros escritores ou pessoas próximas não facilitam o caminho para um iniciante. Tirando um ou outro que preferiu não emitir opinião a respeito, a grande maioria respondeu ao Sabático que a indicação abre portas, sim - mas todos ressalvaram que apenas permite aos manuscritos uma mãozinha para chegar logo ao topo da pilha de originais. Vinte e um dos autores disseram que escreveram a convite - está certo que boa parte deles já era algo conhecida por textos em antologias, periódicos ou editoras pequenas. Outros 38 afirmaram que enviaram originais; desses, 24 conheciam o editor ou tiveram a tal recomendação, e os 14 restantes afirmaram só ter oferecido os originais nas editoras. E uma única, dentre os 60, recorreu a um agente - Ana Maria Machado, publicada pela Francisco Alves, uma das grandes em 1983. "Nos EUA, é mais comum iniciantes contratarem agentes. Por aqui é raro o autor se arriscar a pagar um agente sem a certeza da publicação; isso só costuma acontecer quando eles já estão com carreira mais estabelecida", diz a editora Izabel Aleixo.

Por curiosidade, metade dos 38 autores que foram bem-sucedidos após enviar originais preferiram fazê-lo para uma só editora - uma espécie de ética que as casas publicadoras não exigem e que pode acabar sendo um problema para quem aspira ser editado. Luciana Villas Boas, diretora editorial da Record, por exemplo, diz que não vê mais originais em papel não solicitados. "Não há como. Se vem um e-mail, a gente até se situa. Se achar que a carta está bem feita e que existe um mínimo de potencial, vai para leitura. Recebo uns 25 emails por mês, sem falar nos que recebem todos os outros editores, e uma quantidade absurda de papel que não serve para nada."

Vivian Wyler, gerente editorial da Rocco, diz que passam de 150 os originais que chegam por mês à editora. A Rocco não veta os que chegam em papel, mas exige que todos venham gravados em CD - se o autor quiser mandar a impressão em anexo, fica por conta dele. "E, vou te dizer uma coisa, 98% dos livros. logo nas primeiras páginas, senão na carta de apresentação, você vê que não é um livro de verdade. Não falo nem de regras gramaticais, e sim de um mínimo de estilo, de consciência literária", diz Izabel Aleixo, ex-diretora editorial da Nova Fronteira, que acaba de assumir cargo na Paz e Terra. Isso faz com que bons livros se percam na montanha de aspirações literárias. E é aí que entra a recomendação. Não porque vá privilegiar alguém, mas porque permite a triagem.

Mas nem todos são adeptos da fidelidade. Elvira Vigna, ao terminar O Assassinato de Bebê Martê, abriu um catálogo do Snel (sindicato dos editores) e mandou uma cópia do romance a cada editora cujos nome reconheceu. Em menos de um mês, recebeu a resposta de uma das melhores do País, a Companhia das Letras. Nelson de Oliveira também mandou seus contos de estreia para cerca de 20 editoras, mas precisou esperar oito anos, ganhar um prêmio, o Casa de Las Americas, e ser recomendado por um dos jurados, Rubem Fonseca, para publicar pela mesma casa Naquela Época Tínhamos um Gato>. Hoje, voltou a publicar por pequenas editoras: "Não há mais muita diferença. Em geral, as pequenas se profissionalizaram." Ignácio de Loyola Brandão, que mandou cópias de seu Depois do Sol para 13 editoras, recebeu cartas padrões de quase todas e uma que não esqueceu, da Civilização Brasileira: "O autor escreve como quem mija." "Achei até que era elogio, mijar é um ato natural", conta. Acabou sendo publicado logo pela Brasiliense - e o editor Caio Graco, lembra Ignácio, aceitou a obra sem nem fazer reparos de edição.

Autores falam sobre o primeiro livro

"Já na Ateliê (de médio porte), com o Angu de Sangue, em 2000, minha vida literária mudou. Fui bastante resenhado, divulgado. Não sou desses que ficam com a bunda na cadeira, reclamando de editor"
Marcelino Freire

"As pessoas olham diferente para um livro da Companhia das Letras, por exemplo. Se fica mais fácil? Creio que sim. Mas não acho que no Brasil publicar seja problema. Isso é fácil. Difícil é vender"
Antonio Prata

"Aprendi que as pessoas não querem palpite nem sugestões, querem endosso e apadrinhamento. Qualquer restrição ou dica, por mínima que seja, é vista como ofensa e se ganha um desafeto"
Ana Maria Machado

"A passagem da Revan (de pequeno porte) para a Nova Fronteira não significou nada. Meu desempenho de público até piorou. Tanto que a Nova Fronteira não quis um segundo livro meu"
Alberto Mussa

"Aquele era o meu livro, era o livro possível, e se o editor fosse mais invasivo a obra não seria tão autêntica. Prefiro caminhar com as minhas próprias pernas e aprender com os meus próprios erros"
Adriana Lisboa

"A gente também passa a fazer outros trabalhos: textos de prosa e ficção para jornais, orelhas de livros, palestras. Para isso, é imprescindível ser publicado por uma grande editora, é evidente"
Cintia Moscovich

"Editoras grandes ajudam sobretudo em distribuição e divulgação, mas é precipitado dizer que necessariamente trazem mais público. Nada impede que isso seja alcançado em publicação independente"
Daniel Galera

"Quem leu (o primeiro livro que escrevi) achou péssimo e tive de concordar antes de enviar a qualquer editora. Mas todo livro é o primeiro. Já tive livros recusados depois de publicar o primeiro"
Bernardo Carvalho

"(A indicação) facilita o acesso à editora, mas não garante a publicação. É lenda achar que, por conhecer o autor ou ser amigo de alguém de seu círculo, o editor vai publicar o livro"
Cristovão Tezza